Surgem novidades no horizonte das demências 5d4y18

José Carlos Campos Velho

William Osler foi um médico canadense que construiu sua extraordinária carreira nos Estados Unidos – um dos fundadores da Johns Hopkins, centenária instituição de saúde americana que até hoje funciona como um polo de cuidados e ensino médico. Osler foi um dos maiores clínicos da história, acreditava que a medicina só podia ser praticada à beira do leito, em contato direto com os pacientes, e sempre acompanhada de permanente leitura de textos médicos. Ele elaborou inúmeras frases que atravessaram os tempos. Em uma delas, afirma que “a medicina é uma ciência de verdades transitórias”. Sim, a incerteza está no cerne da prática médica.


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Duas notícias veiculadas recentemente pelo Diário chamaram minha atenção. Uma trata de uma nova classe de medicamentos aprovados para o tratamento da Doença de Alzheimer. A outra aborda a atenção clínica aos transtornos cognitivos. Nunca é demais reafirmarmos: a Doença de Alzheimer é uma das formas de apresentação das demências, provavelmente a mais comum.


A doença foi descrita pelo médico alemão Alois Alzheimer em 1906, após o estudo anatomopatológico do cérebro de uma paciente, Auguste Deter, que ele acompanhou durante a última década de vida dela. Alzheimer descreveu dois achados que denominou Placas Senis (formadas pela proteína beta-amiloide), extracelulares, e Emaranhados Neurofibrilares (formados pela proteína tau), intracelulares. A doença leva o nome de Alzheimer como uma homenagem feita por um grande psiquiatra, Emil Kraepelin, ao médico que a descreveu pela primeira vez.


Novo caminho para o tratamento

Qual a importância disso? A maior parte das teorias causais da Doença de Alzheimer atribui a essas duas lesões à base patológica da condição. Elas se espalham pelo tecido cerebral, a partir do hipocampo, provocando as manifestações clínicas da doença. As drogas hoje disponíveis para o tratamento farmacológico do Mal de Alzheimer atuam principalmente nos desequilíbrios de neurotransmissores – em especial, a acetilcolina – ou buscam reduzir a apoptose (morte) neuronal. Pela primeira vez, uma droga atua diretamente na chamada “cascata amiloide”, promovendo verdadeira limpeza do cérebro em relação ao acúmulo de placas senis – que são tóxicas para os neurônios saudáveis, levando à sua morte.


A ideia é clara: a redução do número de placas senis – e, portanto, da proteína beta-amiloide no tecido cerebral – poderia ter impacto relevante na evolução da doença. Infelizmente, embora esse fenômeno tenha de fato ocorrido, e pequenas melhorias em subescalas de avaliação cognitiva tenham sido observadas, o impacto clínico foi pífio. Além disso, ocorreram graves reações adversas, como lesões específicas associadas à proteína amiloide no sistema nervoso central, chamadas ARIA (algo como “anomalias relacionadas à amiloide”), que se manifestaram por edemas e hemorragias em um número significativo de usuários – inclusive com dois óbitos. Soma-se a isso o custo astronômico, bem como as grandes dificuldades em sua istração e monitoramento. Isso faz com que esse grupo de fármacos ainda esteja muito distante da prática clínica cotidiana.


No entanto, sua aprovação pelas agências reguladoras – FDA nos EUA, EMA na Europa e Anvisa no Brasil – aponta que o Lecanemabe (Leqembi®) e o Donanemabe (Kisunla®) abrem novo caminho para o tratamento dessa doença que atinge de maneira avassaladora uma humanidade que envelhece rapidamente. Resta saber se sua tolerância a longo prazo e suas promessas terapêuticas se consolidarão como uma via segura e eficaz.


Um alento... 
Jovens pesquisadores brasileiros, vinculados à Faculdade de Medicina da USP publicaram, na edição do último 2 de maio do Journal of the American Geriatrics Society, um estudo que permite, com significativa acurácia, o diagnóstico de demência e de dificuldades cognitivas não relacionadas à demência em idosos hospitalizados. Com base em uma escala de avaliação clínica da demência, aplicada a 65 pacientes com média de 79 anos, demonstraram que o não reconhecimento de dificuldades cognitivas nesses pacientes foi reduzido de 70% para 2%! Esse dado reforça que uma avaliação precoce da cognição pode permitir ações preventivas e facilitar o planejamento de condutas futuras, potencialmente beneficiando esses pacientes no que tange a eventuais complicações, bem como ao seu posterior manejo.


Por um lado ou outro, as pesquisas avançam no estudo das demências – entre elas a Doença de Alzheimer –, abrindo novas perspectivas para quem convive com esse verdadeiro flagelo. O século XXI tem, como uma de suas características, o envelhecimento da população mundial. Boas notícias como essas – mesmo que transitórias – trazem alento à alma de nossa sofrida humanidade.

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